Fui presa em Barcelona


Acompanhe o relato emocionante (e indignado) de Thea Rodrigues que foi destratada, humilhada e vítima clara de preconceito em Barcelona. [via Negodito]  



Aconteceu na semana passada. Eu estava voltando da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), onde faço mestrado em Comunicação de Conflitos Internacionais Armados e Sociais. Tenho aulas as terças e quintas, das 16h às 20h30. Para ir e vir preciso pegar um trem (ferrocarril), que sai da esquina de casa e me deixa dentro da universidade… em 30 minutos de percurso chego ao meu destino. É fácil.

A UAB fica em Bellaterra, um pouco distante de Barcelona, no que os espanhóis chamam de Zona 2 – como se fosse parte da Grande São Paulo, só que as distâncias aqui são bem menores. Enfim, o trem é confortável, com poltronas acolchoadas, tem ar-condicionado e é frequentado principalmente por estudantes. A passagem é mais cara do que a do metrô, uma diferença de 50 centavos de euro que justifica o conforto e a mudança de uma zona para outra.

Há um mês, mais ou menos, faço esse trajeto toda semana. Saio de casa, entro na estação Plaça Catalunya (Zona 1), passo na catraca, pego o trem, desço na estação Universitat Autònoma (Zona 2), passo novamente o bilhete na catraca e assisto a aula. Na volta, a única diferença é que não preciso passar o tíquete quando chego à parada final. Ou seja, ida e volta, passo o bilhete três vezes (duas na ida, uma na volta).

Na última quinta, 20, tive de voltar mais cedo para casa porque tinha um jantar com os tios do meu namorado, de passagem por aqui. Férias (vacaciones). Habitualmente, passei o bilhete Zona 1 para voltar – afinal de contas, estava voltando para a primeira Zona, certo?! Pois é, errado!

Quando desembarquei na Plaça Catalunya, dei de encontro com uma fiscalização. Para conferir a validação das passagens, os policiais estavam exigindo que todos os transeuntes passassem mais uma vez o tíquete antes de sair. Então, pela quarta vez neste dia, eu passei o bilhete – o errado. No momento em que a catraca apitou, eu fui cercada pelos fiscais, que me perguntaram de onde eu vinha. Respondi: “da Universidade Autônoma”. Eles me bloquearam, me colocaram de lado e disseram que eu não poderia sair com o bilhete de Zona 1. Para ser liberada, eu teria que pagar uma multa de 25 euros, ali na hora, para um deles. Eu não tinha 25 euros na carteira.

Eles me levaram para um canto e me pediram a documentação. Eu estava sem o passaporte e minha identificação aqui (o chamado NIE, para estrangeiros) só ficaria pronta na semana seguinte. Não tinha nenhuma nota fiscal que comprovasse meu endereço, tampouco um papel do Ajuntamento comprovando que eu estou residindo oficialmente no país. Essas coisas tardam para ficarem prontas e não adianta simplesmente entregar o número ou as informações, eles querem ver o papel, a carteirinha.

Tratada como ilegal, fui algemada. Tentei explicar que desconhecia essa regra, pois estava há pouco tempo no país. Foi pior. O policial ficou agressivo, cresceu a voz e disse: “você acha que eu sou idiota? Sabe muito bem que para ir para a universidade precisa do bilhete de duas zonas”. Eu diminuí o cenho e pedi perdão, mesmo achando injusto. Ele retrucou: “melhor você ficar quieta ou vai se complicar”.

Engoli seco a vontade de mandá-lo à merda. Alguns minutos depois ele voltou e perguntou se eu tinha como ligar para alguém para que pagasse a multa por mim. Não tinha. Para ter um telefone aqui é preciso abrir uma conta no banco e, para abrir uma conta no banco, eu preciso do NIE. A única pessoa a quem eu poderia recorrer era meu namorado, que estava incomunicável. Eu estava presa a um quarteirão de casa e sem saber o que fazer.

Fui marginalizada, humilhada. “Você é ilegal aqui e vai sofrer as consequências”, disse o policial me olhando nos olhos. Ele ameaçou ligar para os Mossos d’Esquadra, força policial de Barcelona. Até hoje não sei se os chamou ou não. Agachei num canto, tentando esconder a vergonha de estar algemada em local público. Quantas pessoas teriam passado por ali? Quantas me viram algemada? Eu, mulher, 1,50m de altura, com um caderno da faculdade na mão – uma ameaça à ordem pública. Uma delinquente.

Entrei em desespero. Neste momento um funcionário do metrô se aproximou e pediu para que eu ficasse calma, afirmou que não ia acontecer nada. Eu chorei copiosamente. Quis dar um abraço nele e perguntar se ele acreditava na minha história, se acreditava na minha inocência. Fiquei no meu lugar “para não me complicar”.

Não demorou muito para que o fiscal se aproximasse novamente: “está chorando por quê? Estou te tratando mal?”. Respondi que não, disse que estava nervosa e pela décima vez lhe pedi perdão. Com um sorriso no rosto ele respondeu: “eu te perdôo”. Eu abaixei a cabeça e agradeci. Ele me entregou uma multa com o dobro do valor (50 euros) e me liberou sob a condição de pagá-la em até um mês.

Saí da estação aos prantos, com uma sensação de impotência inexplicável. A que ponto de submissão precisei chegar? Qual o nível de autoridade tem aquele homem para “me perdoar”? Algemada? Culpada? Se não fosse estrangeira, ele teria me tratado de tal forma?

Quais são as suas armas? A minha é a voz.


Thea Rodrigues, de Barcelona

2 comentários :

  1. Meio sensacionalista... obvio que o tratamento dos segurancas do metro foi covarde... mas, a moca tava errada tbm, essa logica de pq volta pra zona 1 tem que usar o bilhete de 1 zona eh furada...

    ResponderExcluir
  2. Só um débil mental, e não é à toa que o tal postou o comentário como anônimo, pode achar que o comportamento do guarda se justifica por causa de um simples engano de bilhete. Passei por algo parecido em Berlim ano passado e nem multa levei. Aliás, pensando bem, débil mental, não. Fascista mesmo. O anônimo acima deve achar que é assim que se devem tratar as pessoas. Thea, não te conheço, mas sou solidário com você. E eu tenho nome. Prazer, David.

    ResponderExcluir

 

.newsletter

Cadastre-se e receba nossas atualizações diretamente em seu e-mail:

.arquivos

.facebook

.sobre

Criada com o desejo de debater temas únicos com olhares de várias perspectivas, artísticas – ou não (como diria Caê); a Revista Rapadura nasce para fomentar, no espaço livre e caótico da internet, o diálogo, a reflexão e o prazer através de matérias aglutinadas por sua natureza colaborativa.

Uma revista feita por pessoas de diferentes ideias, idades, idiossincrasias, lugares, opiniões, paladares.
Lembre-se: é doce, mas não é mole não.

.
.