O Coringa de Alan Moore – O modelo para o caos




Alan Moore é considerado por muitos fãs de quadrinhos como um dos deuses maiores do panteão de criadores dessa forma de narrativa. Outros tantos, em sua maioria editores do mainstream americano de quadrinhos, considera o autor uma pessoa extremamente difícil de se trabalhar – quase excêntrico –, mas que produz lucro certo. Os empresários do cinema o odeiam pelo simples fato de ele abdicar qualquer citação de suas obras de HQ em qualquer filme, basta vermos a última declaração dele acerca de Watchmen – o Filme, dirigido pelo visionário (leia-se adorador de extrema câmera lenta e piadinhas musicais com o Coruja) Zack Snyder.
Não é por acaso que Alan Moore é considerado um dos melhores: a ideia de A noite mais Densa, série que está para terminar sua publicação no Brasil tem seu plot original de uma pequena história assinada por ele e publicada em Tales of the Green Lantern Corps Annual #2, de dezembro de 1986. Entretanto, não estamos aqui para falar de Abin Sur, Hal Jordan, Guy Gardner ou qualquer outro membro da corporação esmeralda. Na verdade, este pequeno texto trabalhará com uma das relações mais importantes da mitologia dos super-heróis: Batman e Coringa.
Talvez a história que defina o Palhaço do Crime seja A piada mortal. Essa história foi escrita por Alan Moore e desenhada por Brian Bolland em 1986 e ainda hoje é uma das referências básicas ao se tratar do universo ficcional de Batman. Mas a piada mortal, segundo Brian Bolland é uma história do Coringa e, talvez, seja a versão que define o modelo atual do personagem, seu potencial arquétipo. Obviamente é muito difícil pensarmos na criação de um modelo ficcional permanente, mas até os anos de 1980, o Coringa resumia-se a um vilão que utilizava todos os modos de um palhaço para perpetrar crimes. Ao contrário desse modelo, Moore faz uma história que inicia com Batman visitando o temível personagem no Asilo Arkham (p. 258)[1]. Essa visita é uma tentativa do Cavaleiro das Trevas de evitar a necessidade de um embate final entre os dois. Ao entrar na sela do vilão, nota-se que ele está a brincar com algum solitário jogo de baralho e a carta do Coringa encontra-se isolada, fora do jogo. Batman faz um enorme discurso sobre o tema, mas não é o Coringa que está a sua frente, o que confirma o fato de o coringa (carta) estar fora do baralho (p. 262). Mais do que somente fora do baralho, o coringa em vários jogos define-se por algo impreciso no próprio jogo, refere-se à componente caótica que pode desestabilizar o jogo para aquele que a detém em suas mãos.[2]
O Palhaço do Crime escapou do Asilo Arkham e, naquele instante, está a comprar um parque de diversões/circo, o que não fugiria de seu antigo modelo de criminoso temático. Entretanto, somos levados a um flashback que mostra a personagem antes de se tornar o vilão e com um sério problema – sem dinheiro, sem emprego, devendo aluguel e com sua esposa grávida. Até então, nunca vimos nada anterior à origem da personagem e seu acidente como o Capuz Vermelho. Mesmo assim, a identidade civil do arqui-inimigo de Batman, continua um mistério. Seu nome não é citado na lembrança, apenas sabemos que ele era um tipo de comediante stand up fracassado. Sabemos, também, que sua companheira – Jeannie – está grávida e ambos moram num pequeno apartamento alugado pertencente à senhora Burkiss que lhe é condescendente com o pagamento de aluguel.
Acabado o flashback, Coringa volta a sua negociação pela compra do parque de diversões.

Naturalmente, não terei que lhe pagar nada. Meus colegas já convenceram seu sócio a assinar os documentos necessários uma hora atrás. A propriedade já é minha. Não se sente feliz com isso?
Ah, posso ver que sim e eu também estou. Quando souber as melhorias que planejei pra este lugar, você ficará de queixo caído. Garanto que nem vai conseguir falar...Bem, tenho de ir. Preciso alugar equipamentos e contratar homens pra começar as reformas e... é claro, ainda falta cuidar da minha atração principal. Pode ficar aqui.
Grandes Clássicos DC #9, p. 266.

O monólogo da personagem – já que, ao cumprimentar o homem, inoculou o “veneno do coringa”, tornando o homem estático em uma pose de riso – apresenta a formulação básica para a qual Alan Moore empreende a ele. Como o Coringa é o símbolo do caos, envenenar o homem é somente mais um ingrediente para sua derrocada. Obviamente, pela roupa e pelas falas anteriores desse homem, é notável que se trata de alguém falido, mas a maior falência, na visão do Palhaço do Crime, se dá pela constante presença desse homem sentado num de seus brinquedos aparentando felicidade, mas, na realidade, caminhando lentamente para a morte.
Nessa história, Batman simboliza a ordenação de Gotham, de seu próprio universo ficcional. Para tanto, ele antecipa, organiza e age de forma à prevenir ou combater a criminalidade. Entretanto, contra o Coringa isso é “quase impossível”, pois caos e ordem aparentemente não conseguem antecipar um ao outro. Ao mesmo tempo, seu simbolismo referenda-se na sensação de ódio compartilhado, ou seja, a ordem odeia o caos e o oposto é verdadeiro. Batman, então, retorna à base para tentar antecipar as ações do vilão:


Grandes Clássicos DC #9, p. 268


A cena é cortada para a casa do Comissário Gordon. Este organiza o mundo de Batman a partir de recortes de jornais, enquanto sua filha adotiva – Bárbara Gordon, a Batgirl – mantém diálogo com ele. Ambos conversam sobre o Coringa e Bárbara admite ter medo do criminoso. Lembremos que a personagem é uma bibliotecária, cuja principal função é organizar em um pequeno espaço toda a produção caótica de publicações em dada língua. Alguém bate a porta e Bárbara foi abri-la:
Grandes Clássicos DC #9, p.270.

Não há anúncios, não há planos mirabolantes. Há simplesmente o atentado, existe um plano em andamento, é claro, mas o que chama a atenção do leitor é a completa gratuidade da cena. Bárbara é alvejada na frente de seu pai, que se abala profundamente. A primeira reação do Comissário é correr até sua filha. Ao mesmo tempo em que o Coringa afirma: “Por favor, não precisa se preocupar. O senhor sabe como as bibliotecárias são silenciosas. Elas odeiam barulho.” (p. 271). Mais uma vez, o Coringa reafirma o caos – de fato, as bibliotecárias organizam um microcosmo que se entende pela ordenação de publicações e preocupação com o ambiente para a leitura, o que envolve, obviamente, silêncio. A cena seguinte é tensa – enquanto o Palhaço do Crime despe sua filha, Gordon é espancado e levado de seu apartamento. O Coringa volta-se para outro flashback.

Somos transportados para uma mesa de bar em que o futuro Coringa explica que tem responsabilidades como “marido e pai” (p. 272), ou seja, nesse estágio a personagem ainda se esforça para ordenar seu mundo. Relembrando, ele é um comediante fracassado com dívidas de aluguel e uma esposa grávida. Entretanto, um novo serviço é oferecido a ele: travestir-se de vilão para auxiliar uma invasão a uma fábrica de baralhos com o intuito de roubar o cofre que nele se encontra. O vilão escolhido é o Capuz Vermelho que, como sabemos, faz parte da origem clássica da personagem.
O ritmo da narrativa se acentua nesse momento, o balanço entre  flashback e a ação principal não confunde o leitor – o passado é mostrado em tom de sépia enquanto o presente é mostrado com a paleta comum de cores –, mas o diálogo entre caos e ordem começa a se confundir. A partir desse ponto, Batman entra em cena e inicia sua busca pelo Coringa e resgate do Comissário Gordon. Ao visitar Bárbara no hospital, Batman encontra-se, na realidade, com sua pupila. Aterrorizada, a jovem diz que o Coringa agora está diferente, pois ele passara de todos os limites – ele atacara a jovem e seu pai de maneira completamente gratuita, com requintes de crueldade nunca antes visto nos comics do mainstream. As palavras de Bárbara são esclarecedoras sobre o novo comportamento da personagem – “E-ele disse que queria... pr-provar uma coisa... que o papai ia pagar a conta... O q-que ele vai fazer, Bruce? O que ele está fazendo com o meu pai?” (p. 275). Batman não tem uma resposta, mas sabe, pela fala infantilizada de Bárbara, que a situação é grave com relação ao homem raptado.
Gordon está no parque recém-adquirido pelo vilão da história. Ele é levado até a presença do palhaço e é obrigado a se ajoelhar, em clara referência à magnitude da personagem com relação ao caos.
Ora, ora... Você está fazendo o que qualquer homem são, na sua situação faria... Está ficando louco!
(…) Lembra? Oh, eu não faria isso! Lembrar é perigoso... Eu vejo o passado como um lugar cheio de ansiedade. O “pretérito imperfeito” como você chamaria. Ah, ah, ah, ah! As lembranças são traiçoeiras! Num instante você está perdido num carnaval de prazeres, com o aroma da infância, os neons da puberdade... No outro, elas te levam a lugares aonde você não quer ir... onde a escuridão e o frio trazem à tona coisas que você gostaria de esquecer! As lembranças podem ser vis, repulsivas, brutais... como crianças. Ah, ah, ah!
(…) Mas podemos viver sem elas? A razão se sustenta nelas. Não encarar as lembranças é o mesmo que negar a razão! Mas é daí? Quem os obriga a ser racionais? Não há cláusula de sanidade!

Assim, quando você estiver dentro de um desagradável trem de recordações, seguindo pra lugares do seu passado onde o risco é insuportável... Lembre-se da loucura. Loucura é a saída de emergência! Você só precisa dar um passo para trás e fechar a porta com todas aquelas coisas horríveis que aconteceram... presas lá dentro... pra sempre.
Grandes Clássicos DC#9, p. 278.

Nesse ponto, o Coringa dá a sua primeira lição ao Comissário Gordon e trata-se de uma matéria em que se percebe a extremada lógica com a qual a personagem discursa. Levando-se em consideração o significado da palavra insuportável ao seu sentido estrito, trata-se de “que não é possível  suportar (moral e fisicamente)”[3], um homem não veria outra solução a não ser colocar de lado a razão para entregar-se à sustentabilidade (e a liberdade) da loucura. A surpreendente lógica da defesa do Coringa revela que loucura e razão são diametralmente opostos, mas o discurso lógico não necessariamente afasta o homem da insanidade.

Novo flashback e descobrimos que, no dia do assalto, o futuro Palhaço do Crime é notificado pela polícia de que sua mulher e futuro filho morreram num trágico acidente. Sem mais impeditivos, os comparsas pressionam o comediante a por em prática, naquela mesma noite, seu plano. Não há mais tempo para remorsos ou desistência, o comediante está preso no último ato de sua vida como um simples civil. E ele sofre. Da mesma forma, o Comissário Gordon sofre em um trem fantasma em que, nas telas, vendo o Coringa reafirmando a sua teoria da loucura, agora num caráter mais geral. Podemos resumir essa parte da teoria na seguinte sentença – “Troque sua vida de agonia por uma cama e injeções duas vezes ao dia! Ah, e não se esqueça. Você deve ir sozinho e sem medo! Quando o homem começar a se aniquilar, e as bombas caírem sem parar... E, de seu filho, o rosto pálido você vir, a melhor coisa a fazer é sorriiiiiiiir!” (p. 281). Ou seja, troque a vida no mundo de homens, reconhecida pelas guerras e destruição em massa, pela loucura, pois a loucura é uma viagem solitária em que tudo o que você pode aprender é a relaxar quimicamente.
Enquanto Gordon toma suas lições pelo Palhaço do Crime, Batman continua sua investigação. Obviamente, por onde passa, ninguém tem notícias sobre o criminoso. Ao voltar para a delegacia, por conta do sinal luminoso sob a forma de morcego, Batman recebe seu convite para o parque de diversões – o local onde o Coringa estava o tempo todo. O herói, é claro, vai à armadilha, pois, para a manutenção da ordem,o herói deve confrontar o vilão.

Ao mesmo tempo, o Coringa vê os estragos que fez à mente de James Gordon. Surpreso por não obter nenhuma resposta do Comissário, o Palhaço manda, então, que prendam o velho policial em uma jaula e perde-se em novas lembranças. Agora, o leitor é transportado para o cenário em que o comediante viúvo, sem filhos e completamente fracassado se veste como o Capuz Vermelho. Ele e os dois criminosos invadem a Ace Chemical Processing INC. rumo à Fábrica de Baralhos Monarca, mas a vigilância está em ronda e encontra o trio, os dois capangas são mortos e Batman aparece, interrompendo o tiroteio. Para escapar, o comediante se joga nos esgotos da fábrica química. Os dejetos químicos, somados ao profundo abalo de sua vida, faz com que o comediante passe por uma transformação: sai de cena o fracassado e entra em cena o psicótico Coringa.


Grandes Clássicos DC #9, p.289




Retornando para o presente, o Coringa apresenta a maior aberração do mundo – o homem comum.

Grandes Clássicos DC #9, p. 290


Batman finalmente encontra seu arqui-inimigo. A luta desenrola-se com a primeira fala do Morcego aparecendo nas legendas, o leitor pode supor, nesse ponto, de que se trata da última batalha entre caos e ordem, da última luta entre os dois principais personagens de Gotham. A superioridade física de Batman logo se revela como um fator positivo para a ordem e Coringa não vê outra opção que não fugir. É a brecha que Wayne precisa para resgatar o Comissário que não está louco e pede para que o vigilante prenda o criminoso para que eles possam “mostrar que do nosso jeito funciona!” (p. 295). A grande questão aqui é a seguinte: temos nessa cena somente três personagens, dois deles (Batman e Coringa) foram transformados por eventos traumáticos e seguiram caminhos opostos (ordem e caos), enquanto o outro (Gordon) encontra-se no meio termo – não se traveste, mas sente a opressão do caos que é a cidade de Gotham e todas as suas atrocidades. Gordon, porém, não se fantasia, não enlouquece, ele apenas decide viver a sua vida ao lado do plano da ordenação como um combatente imediato do caos, ou seja, um policial. Moore coloca em cena, dessa maneira, não apenas a dicotomia entre os dois polos representativos do esquema mítico inerente aos super-heróis. Ao inserir o propriamente humano, ou seja, aquele que se recusa a ceder a um dos polos, permanecendo no meio das decisões entre caos e ordem, Gordon coloca-se como o único personagem com sua sanidade inabalada na história.
A participação de Gordon, portanto, se encerra nessa cena, mas amplia-se como um eco até a última página da história, pois o Coringa tem a convicção de que transformou Gordon num lunático:

Sabe, estou pouco ligando se você me levar de volta para o Asilo... Gordon enlouqueceu mesmo... Minha teoria está provada. Demonstrei que não há diferença entre mim e outro qualquer! Só é preciso um dia ruim pra reduzir o mais são dos homens a um lunático. É essa a distância que me separa do mundo. Apenas um dia ruim.
Você teve um dia ruim uma vez, não é? Eu sei como é. A gente tem um dia ruim e tudo muda. Senão, por que você se vestiria como um rato voador?
Seu dia ruim o deixou tão louco quanto qualquer um. Só que você não admite... Prefere continuar fingindo que a vida faz sentido... que vale a pena todo esse esforço!
Grandes Clássicos DC, #9, p. 295

A aparente ironia do vilão revela uma incrível sobriedade que se mostra de maneira contraditória com relação à cena. A cena mostra Batman atravessando as armadilhas colocadas pelo Palhaço enquanto ouve suas palavras. Apesar da contradição, o vilão demonstra uma extrema lucidez ao diagnosticar uma gama enorme de personagens do Multiverso DC. Em suas origens, tanto heróis quanto vilões tiveram apenas um dia ruim que modificou suas vidas e os fizeram travestir-se para ora combater o crime, ora promover o crime.
A diferença é tão somente uma escolha – os heróis segundo a personagem escolhem “fingir que a vida faz sentido”. Mais uma vez, Moore, pela voz do Coringa, retoma a temática básica dos super-heróis dos quadrinhos – eles representam uma virtude, ou uma atitude moral considerada positiva pela maioria da sociedade –, mas, ao mesmo tempo, ele interpreta esse posicionamento como mais um dado da loucura dessas mesmas personagens. Eles são, na visão de Moore, em A piada mortal, um reflexo distorcido de problemas psicológicos mais graves, ou seja, trata-se do mito atingindo a modernidade e seu reposicionamento conforme realizado por Sigmund Freud (mito de Édipo tornando-se o complexo de Édipo; mito de Elektra, tornando-se o complexo de Elektra, entre outros).
A escolha do Coringa é aceitar o caos em todas as suas formas. Por isso, ele se considera louco, pois, na realidade, a fundação do mundo é que libera essa mesma loucura. Segundo o pensamento do Palhaço do Crime, a loucura é aceitar a incoerência do mundo como uma grande piada com relação à humanidade (p. 296) – o homem destrói o homem para o progresso do homem. Ele apenas decidiu achar graça do processo e pergunta ao Batman “Por que não está rindo?”


Grandes Clássicos DC #9, p. 297.

Os dois personagens lutam novamente, enquanto o Cavaleiro das Trevas afirma que Gordon estava equilibrado quando o encontrou e, por isso, sua tese estava equivocada, ele enlouquecera porque era fraco. Entretanto, Batman não contradiz as afirmações contra ele mesmo e contra, por tabela, toda a comunidade heroica. No meio da luta, o Coringa é jogado para fora da sala de comando e consegue sacar uma arma:
Grandes Clássicos DC #9, p. 300.




Após derrotar o vilão, Batman retorna ao discurso que falara no Asilo Arkham. Sua preocupação está relacionada ao fato de que as duas personagens estão num duelo que poderá levá-los à morte. Batman propõe ordenar a mente e o mundo do Coringa para que seja possível trabalhar contra o crime de Gotham, mas o Palhaço não o ouve, em sua caótica mente, ele se lembra de uma piada:


Grandes Clássicos DC #9, pp. 302 e 303.

A piada contada pelo Coringa é uma alegoria da própria relação entre as duas personagens. Alan Moore propõe, dessa maneira, um curioso paralelo com o que fora dito anteriormente por Batman. Wayne pretende auxiliar o Coringa em sua suposta reabilitação, mas a piada revela que o Palhaço não confia no homem e, portanto, a piada para ele torna a situação do auxílio um alívio cômico. Porém, para Batman, trata-se da ordenação caótica da mente do Coringa, como um reflexo daquilo que ocorrera com Gotham com o passar dos anos. Em escala menor, a piada contada pelo Coringa reflete um dado – tanto Batman quanto o Coringa permanecem em lados opostos no imaginário de Gotham, a aproximação entre eles é praticamente impossível, pois, enquanto um representa o caos, o outro encarna a ordem. Caos e ordem, todavia, dependem de um tênue equilíbrio que está representado na história pelo Comissário Gordon, o homem que ainda pode escolher o seu caminho.

A piada ainda revela mais, pois trata-se de apenas dois loucos que querem fugir de um local de ordenamento mental. Temos, pois que a única coisa que os separa na parte final da anedota é um facho de luz, uma espécie de limite tênue que pode desaparecer pela simples vontade daquele que empunha o facho luminoso. Ou seja, o que separa caos e ordem é apenas um limite abstrato (luz/moral) que pode mudar conforme o passar dos tempos. Dessa forma, a oposição entre ambos desfaz-se para dar lugar a última parte da alegoria. Um facho de luz aparece separando-os, enquanto os dois reagem à anedota gargalhando. O facho desaparece e ambos se encontram no mesmo local de maneira plena, mas isso não pode ser mostrado ao leitor, pois a simples indicação de que o limite sumira supera a própria representação das duas personagens. Assim, Alan Moore estabelece que Batman e Coringa, afinal, encontram-se em lados opostos somente no sistema simbólico-moral da sociedade em que estão inseridos, mas, num contexto mais amplo ambos fazem parte da mesma representação – a loucura.


[1]    Estamos utilizando aqui a publicação Grandes Clássicos DC # 9, publicada em outubro de 2009 pela editora Panini Comics. 
[2]    Para mais informações sobre a importância do coringa como carta de baralho, ver http://bit.ly/dMURZ2 .
[3]    Dicionário Eletrônico Houaiss. Versão 3.0. Verbete – insuportável



Thomaz Amorim Netoé doutor em Literatura Comparada, tendo sua tese abordado as implicações das histórias em quadrinhos de super-heróis como constitutivas de uma nova espécie de mitologia. Atua como docente na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (como Magneto), em alguns blogs sobre quadrinhos (como um certo Doutor) e comenta em fóruns sobre o tema (tendo Kal-El, leia-se John Constantine, como inspiração).

3 comentários :

  1. Gostei muito da análise!

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  2. li ao som de 'Am I going insane' do Black Sabbath ;-)

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  3. Engraçado que quando eu li a primeira vez na adolescência, eu detestava o Batman, e tudo o que pensei ao terminar de ler foi: Tá aqui a prova que ele é tão louco quanto.

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