A inspiração vem de onde?


Série “Transitáveis”; 600 x 600 x 150cm; papelão; 2010


            Curiosa faculdade, a inspiração nos leva. Virá de trem ou de bonde? Talvez esteja sempre aí, esperando o momento oportuno em que a sintonia do exercício seja congruente a sua essência.

            Sempre associada ao fazer artístico, a inspiração acomete a todos, e com mais freqüência que percebemos. Somos todos criadores, realizadores de ações, seres ativos, gerando um fluxo onde a matéria-prima está no pensamento. Ao concretizar uma ação criadora algo até então inexistente vem fazer parte do universo das coisas que existentes, premeditadamente projetadas, em uma lógica trajetória na direção de um objetivo, materializando pensamentos. Este fluxo serve de leito, neste rio que nasce da fonte dos pensamentos. E como funciona essa fonte? A matéria-prima desta fonte é selecionada por nós, pela simples escolha do objeto, dos materiais, foco de nossa atenção, para então gerar uma informação em arquivo, bits, unidades de material filosófico.


“Dois garís de Laranjeiras”; 80 x 60cm; têmpera e acríleca sobre madeira; 2007

Toda obra de arte sendo filha de seu tempo emerge de um magma de informações, geradoras perpétuas de idéias. Se nos erguemos todas as manhãs, nos lavamos, nos arrumamos e partimos para realizar ações é porque já as concebemos antes nas idéias. É nisto que insiste Marcel Duchamp, fazendo a arte ser não uma série de códigos preestabelecidos, mas estar no mundo, em todos os espaços, se utilizando de todas as técnicas, como queira o artista. Qualquer um pode ser este artista desde que use o pensamento, associado à técnica que for.

            A apropriação do real é a conquista que a arte contemporânea traz para a linguagem pós-moderna, inspirada pela nova natureza que surge com a vida automatizada, já confortavelmente instalada sobre as bases de uma nova sociedade industrializada, motorizada, eletrizada, informada, e agora informatizada. De onde viria então a inspiração de artistas que vivem nesta natureza inédita, cada vez mais surpreendente, assombrosa; a espetaculosa era das guerras criadas por interesses promíscuos, transmitidas por meios de comunicação que lançam no espaço bits na velocidade da luz.

        Em processo de busca de uma expressão em formação, sinto-me impulsionado pela percepção de que algo precisa ser dito. Dentro de mim talvez exista essa exigência moral, que age como um ser caridoso, jamais ignorando a realidade que o cerca. Sem exagerar na analogia, há uma fração considerável na atitude artística que pertence a um apelo emocional. Há uma revolução sutil no ser artista, que funciona como um exercício de auto-conhecimento, tentativa de decifrar a energia propulsora deste dito fluxo interno que o move. É curiosamente espiritual o resultado, voltando a Duchamp, sendo uma razão entre o que foi intencional e não foi percebido, e o que não foi intencional e foi percebido, pois assim a engrenagem conceitual da obra pode funcionar, obtendo o passaporte para acessar a classe dos objetos da arte.


            Em minha pesquisa volto a atenção à condição humana, a partir da realidade que o cerca, como parte desta nova natureza, como afirma o sociólogo Zygmunt Bauman, caracterizada pela precariedade, pela desordem e desequilíbrio. Digo o ser humano de forma geral, a massa, sem querer negar os avanços positivos da nossa sociedade, mas denunciando o contraste entre a fartura de recursos entre aqueles que dominam o poder do capital, os que governam, e seus governados, os que sofrem diretamente os impactos de medidas que são ameaças a permanência de nossa espécie, nosso grande dilema nas discussões sobre futuro.




Série “Arquitetura Popular Espontânea”; 60 x 45cm; carvão, nanquim, verniz asa-de-barata, tinta PVA, guache e acrílica sobre papelão; 2011

          

André Renaud fez duas exposições individuais, sendo que a primeira, "Homens na Pista"em 2007, foi prêmio pelo mérito de melhor artista do Salão Novíssimos IBEU 2006. Estuda Pintura na Escola de Belas Artes da UFRJ.

0 comentários :

Postar um comentário

 

.newsletter

Cadastre-se e receba nossas atualizações diretamente em seu e-mail:

.arquivos

.facebook

.sobre

Criada com o desejo de debater temas únicos com olhares de várias perspectivas, artísticas – ou não (como diria Caê); a Revista Rapadura nasce para fomentar, no espaço livre e caótico da internet, o diálogo, a reflexão e o prazer através de matérias aglutinadas por sua natureza colaborativa.

Uma revista feita por pessoas de diferentes ideias, idades, idiossincrasias, lugares, opiniões, paladares.
Lembre-se: é doce, mas não é mole não.

.
.