Quando faltam as palavras



Sentado em frente ao seu de notebook de última geração, Fábio buscava palavras. Tinha dentro de si tantos sentimentos, lembranças, histórias, questionamentos... Mas naquele momento tudo o que sentia, era um enorme vazio. Padecia de um mal que o atingia raramente, um enorme vácuo. Um vácuo de palavras. Esse parecia ser dos piores.

Após fumar seis cigarros em menos de duas horas, resolveu sair um pouco. Espairecer, sair do seu mundo talvez fosse uma boa ideia. Afinal, aquela angústia o consumia há três dias.

Já havia lido alguns capítulos de livros, colunas e o caderno de esportes do jornal. Entrou na internet e até tentou interagir um pouco nas redes sociais, mas viu que interação era algo que não cabia nele, não naquele momento.

Três dias e nenhuma linha escrita. Três dias e a única coisa que havia conseguido escrever havia sido a resenha de um livro. Aliás, o livro era tão ruim, que qualquer resenha, por pior que fosse, seria ainda generosa.

Mas a crônica para o jornal, os capítulos do seu livro, nada evoluía. Simplesmente, não conseguia escrever.

Desceu apressadamente de seu prédio pelas escadas, não queria cumprimentar os vizinhos. Afinal, fazia um pouco mais de três meses que ele havia terminado seu noivado e sabia que todos que o vissem perguntariam por ela.

A respeito dela... Ele não queria nem lembrar seu nome. Talvez fosse ela a causa da sua falta de inspiração. Mas que loucura era essa? Inspiração? Ele não acreditava em inspiração. Sempre acreditou em trabalho. Escrever é trabalhar as palavras, dizia com convicção. E como sempre leu muito, escreveu muito, nunca valorizou a tal da inspiração. Escrevia bem porque exercitava, era isso.

De qualquer forma, havia algo nele que não o deixava à vontade com suas ideias, uma enorme inquietação. E também uma tristeza profunda que fazia com que ele enxergasse o mundo todo cinza, sem graça. Nada o emocionava. Não havia nada que impulsionasse sua escrita. Naquele momento era como se pudesse entender os deprimidos, os tristes, os suicidas.

Sentir aquele vazio, viver aquela angústia 24 horas por dia era uma dor insuportável.

Após descer as escadas dos sete andares, caminhou até uma praça em frente ao prédio. Sentou num banco de cimento e como a tarde estava fria, poucas pessoas estavam por lá. E foi ali, naquela tarde, que ele deixou que as lembranças escorressem pelos seus olhos. Não conseguia controlá-las. Dois anos de convivência, três meses de separação e tudo veio à tona. Era preciso aprender a conviver com mais essa ausência. Talvez a vida fosse uma coleção de ausências, pensou, com breves lampejos de felicidade.

Alguns minutos se passaram, mas para ele pareceram horas. Sentindo-se ridículo, abruptamente levantou-se do banco. Enxugou seus olhos, como se estivesse limpando o suor. Caminhou novamente até a portaria do prédio. Resolveu subir de elevador, por algum motivo não se lembrou dos vizinhos. Por sorte, não encontrou ninguém.

Lembrou-se de como ela sempre esteve presente. O dia inteiro mantinham-se em contato. Adorava receber emails e recados, nas horas em que menos esperava. Compartilharam sonhos, frustrações, desejos e medos.

Nas dificuldades era dela que vinha a força, a compreensão, o carinho. Ela organizava seu mundo, sua vida. Era mais que um apoio. Era parceria.

Por que o que é bom também pode acabar? Perguntava-se.

Ao abrir a porta de seu apartamento, veio também a lembrança de um perfume floral inebriante, era como se ela estivesse ali, naquele exato momento. E veio em sua mente a recordação dos gestos, do olhar, do sorriso maroto e dos cabelos negros esvoaçantes e um nome, que até então, era o mais bonito de todos, Estela.


Assim, Fábio sentou-se novamente em frente ao seu notebook, acendeu o último cigarro do maço e começou a digitar. E de repente as palavras fluíam. Escrevia para tentar entender: Por que o amor acaba?



Christiane Angelotti é escritora e editora do site educativo ABC KIDS. Colunista do site Sobrecapa, escreve para os Blogs: Ler pra Ser e Diário de uma Paulistana. Publica contos infanto-juvenis para livros didáticos de diversas editoras do Brasil e Portugal. Colaboradora na Fundação Padre Anchieta para material de apoio da Prefeitura de São Paulo.

5 comentários :

  1. Inspiração, respiração, ritmo. Talvez, seja isso. Parabéns pelo texto. Bjs.

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  2. Essa a grande pergunta: por que?

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  3. Chris, muito bom. Parabéns!
    Talvez ele acabe para dar espaço pra um novo amor.
    Mas, em se tratando de emoção, a razão só dá palpites e nem sempre acerta.
    Beijo
    Li

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  4. Obrigada, queridos!

    A vida é feita de ciclos de aprendizados, penso eu. E quando algo acaba é sempre para dar espaço para outra coisa melhor. O que é verdadeiro mesmo e bom necessita de olhos e maturidade para ser vivido intensamente. Logo,requer muito de nós e nem todos estamos dispostos a viver realmente.
    Escrever é também tentar entender, viver outras histórias, se conhecer e conhecer ao outro. A inspiração também vem dessa busca.
    Beijos e obrigada pelos comentários

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