O que aconteceria se aliens resolvessem invadir a Terra... nada original, não é? E se fosse no século XIX, no meio do Oeste norte-americano? Um "gibi" fez a pergunta e a respondeu. Leia a resenha...
— por José Alexandre Oliveira
Trecho da edição original norte-americana |
Conjecturar
uma invasão alienígena em um futuro apocalíptico onde a raça humana esteja prestes
a ser dizimada; ou ainda, conceber metrópoles sendo conquistadas por
estrangeiros planetários que, ao pisarem em território terráqueo, escravizem
todas as nações com sua tecnologia vanguardista, já deixou de ser fenômeno. Um
clichê cíclico que acaba ocasionando histórias desinteressantes tanto para o
leitor voraz de sci-fi, como para o
leitor ansioso por uma história atraente. Contudo, ao subverter esse panorama
cristalizado de enfretamento entre duas espécies, já se teria o suficiente para
enredar uma boa narrativa? Na dúvida, veja a contraproposta em Cowboys & Aliens. A obra surge como
um ponto fora da curva ao tratar, de forma atípica, os contatos imediatos entre
humanos e extraterrestres, porém peca em deixar algumas brechas não exploradas
ao longo da narrativa.
Publicada
em 2006 pela Platinum Studio Comics e editada recentemente — muito bem editada,
em impressão e acabamento de alta qualidade — no Brasil pelo selo Galera da
editora Record, Cowboys & Aliens é
um projeto do roteirista Fred Van Lente — Marvel
Zombies — e dos desenhistas Brasileiros Luciano Lima e Silvo Spotti — Wolverine e Wynonna Earp —, capitaneado por Scott Mitchell Rosenberg — um dos editores
mais envolto em polêmicas no mundo das HQ’s. Só para aludir uma, foi o
responsável pelo “motim” dos grandes artistas McFarlane, Lee, Capullo,
Silvestri, Liefeld e cia. contra Marvel, ocasionando na criação do selo
independente Image Comics. Rosenberg também foi produtor de MiB: Men in Black e responsável por sua
adaptação para as salas de pipoca.
Com
um staff de talentos bem sucedidos em seus projetos anteriores, a graphic novel
não se apresenta como resultado desse somatório de forças criativas. Há em seu
enredo poucos pontos concretos favoráveis. Um aspecto positivo seria a própria inusitada
relação que já é mencionada logo no título da obra. Dá-se então a união de dois
estereótipos já enraizados na cultura pop, o pistoleiro e o alienígena. A
imagem do cavaleiro solitário que entre fenos e poeiras duela com outros
cavaleiros solitários, enfrenta siouxies
de nomes esdrúxulos como Touros-sentados, Águias-vermelhas e salva mocinhas, é coligada
ao E.T., o exterminador de raças arcaicas. Nesse embate cria-se um quê de inovação e estranhamento
que chama o leitor de imediato. Louvável mote para aceitação da obra.
Aliado
ao amálgama, observa-se outra derradeira distinção em sua contextualização. Ambientando
esse encontro no século XIX, os roteiristas abriram brecha para uma ampla gama
de situações que antes não havia sido concebida. Uma delas foi muito bem
apresentada no prólogo, onde o leitor se depara com a ideologia americana do Destino Manifesto sendo desconstruída. No
preâmbulo, a primazia ianque é posta em cheque e o pensamento expansionista se
alinha a conduta das frotas aliens
conquistadoras. O cumprimento da vontade divina e, consequentemente, o poder de
comandar o mundo antes disputado por seres humanos passa a ser disputado por
estrangeiros intergalácticos e suscita o elo dramático necessário para o
desenrolar da trama. Será que Deus realmente escolheu os americanos para
comandar o mundo ou Ele mudou de ideia? Melhor, seriam Deuses os astronautas
que chegavam ao Oeste selvagem? Eles mudariam a ordem mundial de submissão até
que ponto? Todas essas indagações partem de apenas cinco páginas e mostram
uma força criativa que deixaram ser dissipada ao fim do capítulo inicial.
Mais
falhas em Cowboys & Aliens se
apresentam com os personagens. Os protagonistas são pouco explorados e só há um
vislumbre das boas construções psicológicas que não ocorreram. Como a cowgirl Verity, a prisioneira interplanetária
Kai Chak Ra e o padre Breen. Esse último possui uma predileção pelos livros de
Julio Verne que poderia ter sido mais direcionada ao enredo. Seguem assim fatos
e ações que não se enlaçam com a trama desenvolvida. Impera a superficialidade
de imagens de cowboys no papel de mocinhos e índios visto como seres menores,
em sua eterna luta até serem interrompidos por extraterrestres verdes que caem
na Terra sem nenhuma explicação plausível. Essa intervenção exótica que deveria
causar um mínimo de estranhamento aos terráqueos passa despercebida e as
batalhas ocorrem como se ambas as raças já fossem inimigas naturais. Outro tiro
que saiu pela culatra.
Assim,
o que o leitor vê ao longo das cento e quinze páginas é o encaminhamento para
aquele cíclico clichê. A tônica de dominação e lutas sem sentidos passam então
a configurar o enredo e, o que tinha começado de forma empolgante e original no
prólogo, passa a ter um Grand Canyon
como parâmetro entre o que deveria ser e o que não foi. Resultado? O atípico
deixou de ser fenômeno.
José Alexandre Oliveira é carioca, guitarrista, professor de Língua Portuguesa e Literatura; além de fã de cinema e quadrinhos; é devorador da música, especificamente do Rock e todas as suas vertentes — e ainda compra CD’s —, mantém o blog Chronica Sonus.
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