Exercícios de redação de Fritz Kocher - O outono, de Robert Walser


Olá leitores, a cada semana a Revista RapaDura convida você a  conhecer os (micro)contos de Exercícios de redação de Fritz Kocher, de Robert Walser, autor suiço, predileto de Kafka. Boa leitura!

INTRODUÇÃO

O menino que escreveu essas redações morreu pouco depois de ter deixado a escola. Tive algum trabalho em persuadir a mãe dele, uma dama adorável, amável, a ceder os textos para publicação. Ela estava, compreende-se, muito afeiçoada a essas folhas, que deviam ter sido uma doce lembrança do filho. Apenas a afirmação da minha parte, que iria mandar imprimir as redações totalmente inalteradas, exatamente assim como o seu Fritz as tivera escrito, finalmente, fê-las chegarem as minhas mãos. Para muitos, em muitos trechos, elas queiram  parecer precoces e, em muitos outros trechos, pueris demais. Contudo peço tomarem em consideração que minha mão não modificou nada nisso. Um menino é capaz de falar muito sabiamente e muito tolamente quase ao mesmo tempo: assim são as redações. Despedi-me da mãe do menino com o mais gentil agradecimento possível que pude arranjar. Ela me contou diversas passagens na vida do garoto, as quais condizem simpaticamente com os aspectos de seus trabalhos escolares aqui presentes. Teve de morrer prematuramente, o divertido e sério risão que fora. Seus olhos que deveras foram grandes e radiantes, não chegaram a ver nada do mundo imenso pelo que tanto ansiava. Em vez disso foi lhe permitido divisar no seu mundo pequeno com clareza o que o leitor, por certo,  verificará ao ler os exercícios de redação. Adeus, meu baixinho! Adeus, leitor!

***

Quando chegar o outono, as folhas caem das árvores ao chão. Propriamente devia dizê-lo assim: quando as folhas vierem caindo, é outono. Preciso melhorar meu estilo. Na última vez ganhei a nota: estilo deplorável. Fico triste disso, mas não tem outro jeito. O outono me agrada. O ar torna-se mais fresco; as coisas na terra, de repente, têm um aspecto todo diferente; as manhãs são cintilantes e esplêndidas e as noites são magnificamente frias. Não obstante estamos passeando até altas horas da tarde. A montanha sobre a cidade exibe lindas cores e a gente fica triste ao pensar que estas cores sejam o presságio para uma falta de cor geral. Em breve vai cair neve. Gosto também da neve, ainda que seja desagradável vadear nela por muito tempo com os pés gelados, molhados. Mas para que afinal haverá depois pantufas quentes e quartos aquecidos? Apenas tenho pena das crianças pobres, das quais sei não terem quartos aquecidos em casa. Como deve ser terrível sentir esse frio por toda a parte. Eu não faria nenhum dever de casa; morreria, sim; morreria teimosamente, se fosse pobre. Como as árvores se parecem agora! Seus galhos furam, feitos elegantes espadas afiadas, o ar cinzento; observam-se corvos que, geralmente, não dão para se ver. Não se escuta mais pássaro algum cantar. A natureza é pois magnífica. Como ela muda de cor, troca de roupagem, põe máscaras e as tira novamente! É belíssimo. Se eu fosse pintor – e não é impossível que me torne um, uma vez que o homem ignora o seu destino – gostaria, apaixonadamente de ser um pintor de outono. Apenas receio que minhas cores não sejam suficientes. Talvez que entenda ainda muito pouco disso. Aliás, por que vou me preocupar por algo que ainda está por vir? Só o momento há de me ocupar a mim intimamente. Onde já ouvi essas palavras? Algures devo ter escutado isso, talvez com meu irmão mais velho que está na universidade. Em breve haverá inverno; neve remoinhará; Ah, como espero com ansiedade por isto! Quando tudo ficar branco desse jeito, a cabeça da gente rende muito mais ainda na aula. Cores ocupam demasiadamente a memória com coisas disparatadas de todas as sortes. Cores são apenas um espalhafato, açucarado demais. Adoro o monocromático, o monótono. Neve é uma canção bem monótona. Por que uma cor não devia conseguir dar a impressão do cantar. O branco é como um murmurar, um sussurrar, um rezar. Cores vivas, por exemplo, cores de outono são uma gritaria. O verde, no alto verão, é um canto polifônico dos mais retumbantes. Será verdade? Não sei, se isso procede. Seja como for, o professor vai ser deveras gentil e corrigi-lo.  – Veja, como tudo no mundo anda! Agora, logo mais teremos natal; até o Ano Novo é um passo; a primavera também está a poucos passos e assim tudo avança sempre, passo a passo. A gente seria tolo em querendo contá-los. Não gosto de fazer cálculos. Sou péssimo em matemática, ainda que tenha notas razoavelmente boas. Jamais tornar-me-ei comerciante, sinto isso. Tomara que meus pais não me entreguem a um comerciante! Eu ia fugir e o que conseguiriam com isto. Será que falei agora bastante do outono?  Tagarelei um bocado sobre a neve. Isto vai render uma boa nota no boletim, nesse trimestre. Notas são um negócio estúpido. Em canto tenho nota dez e não acerto um tom. Como isso será possível? Antes deviam nos dar maçãs em vez de notas. Mas aí haver-se-ia de distribuir maçãs demais. Uai!



Peter Welper é alemão, residente no Rio de Janeiro. Tradutor de longa data e entre seus trabalhos, está Perturbação, de Thomas Bernhard.

2 comentários :

 

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