A extenuante garimpagem do presente

Foto: ©Astrid Westvang
Quando a variedade de detalhes das coisas aumenta, e a quantidade dessas próprias coisas cheias de detalhes aumenta ainda mais, deixando-nos a sensação de estarmos soterrados porém sem sabermos exatamente o que é que nos soterra, a coisa mais fácil a se fazer é dizer que este tudo é simplesmente um grande nada imprestável.

Um rapaz junta folhas em branco. São várias folhas, mais de 50, talvez mais de 100. Ele as junta na mão e dá pancadinhas com elas numa mesa, ajeitando-as de maneira uniforme, sem que uma ou outra esteja com um pedaço escapando se olharmos esse conjunto de frente. O rapaz deita esse bloco de folhas na mesa e retira dele a última. Na parte baixa dessa última folha, ele, com uma caneta preta, escreve a seguinte mensagem: “Esta obra não contou com o apoio de ninguém”. E devolve a última folha ao seu lugar de origem. Depois levanta o conjunto de folhas nas mãos outra vez, e – zás – tasca um grampo bem firme no canto alto à direita das folhas, agora sim fazendo delas uma unidade organizada. Está quase pronto, falta apenas uma coisa: o título. O rapaz apoia o conjunto deitado na mesa e, na folha da frente, a primeira, ele escreve, com a mesma caneta preta, o único texto que um leitor encontrará antes da última página: “Minha época: um testemunho”. E, orgulhoso, folheia todo seu conteúdo.


Leonardo Villa-Forte é carioca nascido em 1985. É tradutor, colaborador editorial e pesquisador. Formado em Psicologia, estuda literatura, roteiro e escreve.

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